sexta-feira, novembro 10, 2006

Castelo

Caminho devagar pela relva do teu jardim esperando que o som dos meus passos não perturbe o teu adormecer. Quando a humidade do verde já invade os alicerces do meu corpo, eis que chego perto da janela do teu quarto.
Espreito a medo, e encontro-te mergulhada nos braços de Orfeu.
Dormes profundamente, como só quem nada teme pode fazer.
Com os olhos cerrados, a face serena, o corpo descontraido e a alma tranquila dormes calmamente.

Junto à janela rasgada nas grossas paredes do teu castelo granítico, o calor do meu bafo embacia o frágil vidro enchendo-o de gotas de vida, de sonhos e de pensamentos ideais ou irreais.
Enquanto a minha cabeça voa pelos prados verdes e pelas searas ocres e o meu corpo passa num segundo das neves eternas do Evereste ao calor do Krakatoa, eu, enquanto vulgar mortal não saio do sítio onde estou assente, e sinto-me pesado demais para voar e demasiado tenso para me mover.

A vida, esse estado transitório onde os sentidos se excitam e as emoções se enchem até aos limites pára para te ver.
A vida esse tesouro que guardamos num baú, mas que um dia deixa de fazer sentido, ou que passa definitivamente a fazê-lo, pára para assistir ao teu sono solto e livre.

Olho-te uma vez mais e tento gravar na minha memória a tua imagem serena, para que me sirva de alento nos momentos mais difíceis. Sinto que o vidro inerte ou a pedra fria das paredes do castelo, me passam parte da tua calma e do teu poder ingênuo mas imenso. Sinto que te passo algum do calor do meu corpo através da mão que encosto à pedra gelada. Esse calor mecânico, orgânico e animal que me faz ainda viver, respirar e transpirar de ilusões.
Vivo na esperança de que me possas sentir um dia, de novo, e como sempre foi, antes de passares para o outro lado do muro.

Vivo o presente, pensando o futuro que teremos, um dia, quando o tempo finalmente parar. Sei que nesse dia vou passar o muro e vou acordar-te desse sono que te invade o corpo mas não a alma.
Entretanto o mundo não pára para mim, princesa.
Rodo o corpo sobre os meus pés, descolo o último dedo do vidro frio e caminho de novo sobre a erva fresca que te cerca em direcção ao mundo ao qual ainda pertenço.
Deixo-te mas não te perco.
Afasto-me mas não te esqueço.
Será sempre contigo que caminharei pela estrada da vida...
Até já princesa, e obrigado por me fazeres sempre companhia.
Beijos gordos...

1 comentário:

Lurdes Pereira disse...

Gosto muito das tuas asas...!Somos transportados ao mundo lindo duma princesa ,com uma doçura igual ao sorriso dela...Voa leãozinho,voa....