domingo, outubro 15, 2006

Ocaso

Do alto da colina ainda se avistam os movimentos apressados dos retardatários. Os últimos raios de luz ainda rasgam a escuridão e ajudam os humanos nos seus comezinhos movimentos quotidianos. Há já luzes que se acendem para combater o negro e fogos que se ateiam para vencer a fome. A mão humana abranda e os seus servos recolhem para o rotineiro descanso. A natureza toma de novo o controlo sem necessidade de violência. Os animais podem de novo sair e procurar alimento sem sobressalto e as plantas podem esticar-se na humidade refrescante do crepúsculo.
O reino está quase em plena ordem, e basta o último brilho do astro rei desaparecer para que seja retomada a energia da noite.
Do alto desta colina, de onde já assisti a muitos dias e muitas noites de vida, onde já fui testemunha de muitos momentos e onde já fui fustigado por grandes temporais. Do alto desta colina, onde tive todo o tempo do mundo para observar o dia e a noite, quero aproveitar o tempo que me resta de pé. Quero assistir a mais um pôr-do-sol e depois ao seu nascer do outro lado.

Já que estou preso a este solo, já que não posso procurar outro lugar que me pinte os ramos do verde que já ostentei, pelo menos posso aproveitar o facto de ter brotado num local que me consumiu tão rápidamente, mas que me deu tanto a ver e a aprender. Quero aproveitar-me da sorte que tive em ser durante muitos anos o primeiro a ver a luz e o último a deixar de senti-la. Fui sempre aquele que do alto, melhor viu o escuro da noite e pôde sentir dela o seu mais intenso poder regenerador.
Os meus ramos estão agora secos e neles já não corre a seiva que me fazia pulsar de vida mas a luz ainda não atravessa livremente este espaço. A minha sombra, é hoje uma reverência do sol, áquilo que já fui. A minha sombra, é hoje apenas um tributo à minha memória.
Em breve virá outro inverno, e talvez eu não resista de pé. Talvez o meu corpo seja quebrado pelo vento ou pelo peso da neve nos meus ramos. Talvez a minha vida fosse mais longa no vale junto ao ribeiro, mas eu prefiro assim. Prefiro ter visto o que vi, ter sentido o que senti, ter tido do mundo esta visão que ainda me faz perder o fôlego....
Espero que um dia, uma semente brote neste local e que aos poucos vá tomando conta da paisagem e conhecendo tudo o que se encontra aos seus pés.
Quando um dia essa semente estiver exaurida de todos os seus recursos e já nada lhe reste além de memórias pode ser que pense tal como eu que foi rápido mas que pelo menos valeu a pena.

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá Asa !
Desta vez deixo o meu comentário.
Sempre achei que tinhas um dom para a escrita, jogas com as palavras de uma forma muito interessante.
Hoje entrei de novo no teu blog para ver se tinhas novidades e li isto, confesso que não gostei, vejo nestas palavras um certo desanimo, um baixar de braços, espero estar enganado.